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Luís Corrêa Lima*

Em tempos de pandemia, não faltam profetas da catástrofe vislumbrando castigo divino em calamidades naturais. E podem até se servir de textos bíblicos sobre terremotos, tempestades, pestes, pragas e outras desventuras. Tudo isto faz parte da cosmologia antiga, que via em tais fenômenos uma intervenção sobrenatural. Com o passar do tempo e o desenvolvimento da ciência, foi possível reconhecer aí a autonomia da criação, que tem leis próprias.

Na tradição judaicocristã, porém, há muitos relatos inspiradores e imagens positivas do amor de Deus pela humanidade e pela criação. Um dos mais belos é o da origem do arco-íris, no primeiro livro da Bíblia, o Gênesis. Este livro foi escrito durante exílio judaico na Babilônia, no século VI antes de Cristo. É uma releitura monoteísta de antigos mitos babilônicos sobre a criação do mundo e o dilúvio. No Gênesis, após o dilúvio universal no tempo de Noé, Deus estabelece uma aliança eterna com a humanidade e com a criação, cujo sinal é o arco-íris. E diz:

“Quando eu cobrir de nuvens a terra, aparecerá o arco-íris nas nuvens. Então me lembrarei de minha aliança convosco e com todas as espécies de seres vivos, e as águas não se tornarão mais um dilúvio para destruir toda carne. Quando o arco-íris estiver nas nuvens, eu o contemplarei como recordação da aliança eterna entre Deus e todas as espécies de seres vivos sobre a terra”. Deus disse a Noé: “Este é o sinal da aliança que estabeleço entre mim e toda a carne sobre a terra” (Gn 9,14-17).

Neste relato, a destruição do mundo e de seus seres vivos não é desejo nem desígnio divino, mesmo que, segundo a cosmologia antiga, isto alguma vez tenha acontecido. Deus é criador, Deus da vida, que quer o bem da criação na mais ampla diversidade de seus seres. Sobre catástrofes e desventuras, Jesus foi interrogado a respeito da suposta culpa das vítimas, como no desmoronamento de uma torre e no massacre ordenado por Pilatos no Templo. Para Jesus, o que importa não é se os que perderam a vida pecaram, mas se a tragédia é um estímulo à conversão.

Passados mais de dois milênios do Gênesis, o movimento LGBT+ adotou a bandeira do arco-íris como seu símbolo. Isto começou em 1978, em São Francisco (EUA), com o artista Gilbert Baker, quando as primeiras versões da bandeira foram vistas pelas ruas nas paradas. A ideia deste artista era promover diversidade e inclusão, usando algo da natureza para representar a sexualidade como um direito humano.

Nessa época, o Brasil vivia sob o jugo da ditadura civil-militar. O arcebispo de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara, havia se tornado um extraordinário defensor dos pobres e dos direitos humanos, sofrendo forte censura e perseguição do regime. Apesar disso, ele conseguiu publicar um livro de poesias. Por coincidência, era o mesmo ano de 1978 e uma destas poesias dizia:

“FAZE DE MIM UM ARCO-ÍRIS

que acolha todas as cores

em que se fragmenta

a Tua luz!

Faze de mim, sempre mais,

um arco-íris

que anuncie a bonança

depois das tempestades…”.

Pd Hélder Câmara

O arco-íris de dom Hélder e o dos LGBT+ pertencem a contextos muito diferentes, mas têm elementos em comum. Ambos defendem direitos humanos, diversidade e inclusão. Todas as pessoas são imagem e semelhança de Deus neste mundo, cores em que se fragmenta a luz divina na diversidade da criação. Não se deve dar ouvidos aos profetas da catástrofe, que atribuem as calamidades naturais ao castigo divino e estigmatizam grupos e pessoas. A ciência contribui para uma fé mais pura e adulta, como afirma o Concílio Vaticano II. Que a ciência e a fé adulta nos ajudem a tomar os devidos cuidados em tempos de pandemia, e a alcançar a bonança depois da tempestade.

*Luís Corrêa Lima é sacerdote jesuíta e professor da PUC-Rio. Trabalha com pesquisa sobre gênero e diversidade sexual.