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Alicia Nalunkuma (23) do Uganda é uma bailarina e ativista pela Igualdade Transgénero. Nascida rapaz, sempre se sintiu como uma nenina. Desde a infância enfrentou uma enorme dor e tristeza. Como Cristã praticante, mesmo assim a Igreja Católica a rejeita.

Presa no seu próprio corpo

Não me sinto mal, porque isto é o que sou. Sentia-me como uma menina desde a infância. Costumava ​​usar os vestidos das minhas irmãs, das minhas amigas. Ser una pessoa trans manifiesta-se desde a infância. Parece estar-se presa no teu próprio corpo, mas parece que se está a ser expulsa, não importa para onde vás, ao ser discriminada.

Para cada uma das escolas para onde fui, assediavam-me

Não frequentei a escola por muito tempo. Costumava ​​ser assediada na escola devido à minha identidade de género, porque as pessoas não entendiam quem ou o que era eu. Então tive problemas com os professores: Porque ages como uma mulher? Eu já era diferente antes, mas os meus professores pensaram que poderia mudar. Mas quando cresci e nada mudou, inclusivamente os meus pais levaram-me a um centro de reabilitação para mudar. Tentei adotar costumes, mas nada funcionou. Tinha 10 anos quando me expulsaram da escola pela primeira vez. Depois disto, em cada escola que frequentei assediavam-me. Tive que mudar de escola todos os anos, a mesma coisa aconteceu sempre.

Quando me expulsaram da escola com 14 anos, pela última vez, os meus pais cansaram-se e disseram-me “não podemos pagar mais as anuidades escolares.” Então perdi a minha educação.

Eu era muito jovem, senti-me mal porque pensei que os meus pais estariam ali para mim, mas eles não poderiam. Em vez disso, levaram-me para uma escola de dança – um lugar onde os órfãos podem viver e ser treinados como bailarinos tradicionais profissionais. A partir do  momento em que entrei na escola de dança, os meus pais deixaram de me dar qualquer ajuda.

O trabalho sexual era a única oportunidade que tinha para sobreviver

Depois dos meus ensaios na escola de dança, vestia-me e saía para a rua. Há uns tempos que  trabalhava como “garçonete” e bailarina num Sexclub. Não é permitido trabalhar num lugar asim como homem, mas eu estava vestido como uma rapariga, com o meu cabelo, o meu vestido, os meus saltos altos, toda a gente via em mim uma rapariga! Uma noite o meu chefe entrou no meu quarto, pois queria ter sexo comigo. Neguei-me porque sabia quem eu era. Tentou violar-me. Enquanto lutávamos, tucou-me entre as pernas e sentiu algo mais do esperado. Ele de imediato chamou a policia e o jornal. Não disse ao jornalista que me estava a tentar violar, é claro. A única coisa que disse foi: “Este rapaz está a fingir ser uma mulher”. Tinha dezasseis anos nesse momento. A minha cara viu-se em todos os media. Essa foi a razão pela qual nunca fui empregada como bailarina novamente. Só ficava uma alternativa: Comecei a exercer o comércio sexual. Essa foi a única oportunidade que tive para sobreviver.

“Somos muitos, somos como tu”

As pessoas do Uganda não diferenciam entre uma pessoa trans e una pessoa homossexual. Quando apareci nos Media, o que ficou na opinião pública era de que eu sou uma pessoa homossexual – o que não é verdade, porque como sou uma rapariga, só durmo com homens. A maioria das pessoas nem sequer sabe o que significa ser transgénero. Há alguns anos houve tentativas de introduzir o projeto de lei contra a homossexualidade com penas de prisão perpétua para as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Esta ley foi anulada oficialmente. Mesmo assim, as pessoas usam as leis prévias que ainda se encontram vigentes.

Numa ocasião levaram-me para a prisão supondo que era homossexual. Então, a organização em que agora participo viu as notícias na televisão. Vieram até à esquadra da polícia para me  dar apoio legal. Trataram de me retirar da custodia da polícia. Desde então a minha organização esteve ali, realmente, para mim. Mesmo no momento em que me quis suicidar, disseram-me “não, não te mates, somos muitos. Somos como tu, vais viver uma longa vida.” Eles  estiveram ali por mim; apoiaram-me em todas e em cada uma das minhas lutas. Eles são como que a minha família agora, a minha mãe, o meu pai, as minhas irmãs. Os meus irmãos transgéneros são como que a minha família agora.

Ninguém se quer relacionar com pessoas trans

Não tenho companheiro, porque ainda sou uma trabalhadora sexual. De todos os modos no Uganda as pessoas não se querem relacionar com pessoas trans. Mesmo as pessoas homossexuais não gostam de ser vistos com as pessoas trans. Elas não caminham connosco na rua. Eles não querem falar connosco. Assim eu só posso estar com os meus companheiros trans e as minhas colegas que são trabalhadoras sexuais femeninas.

Uma forte relação com o bairro para sobreviver

Vivo numa casa de um quarto nos bairros pobres de Kampala. É muito perigoso viver ali, mas as pessoas à minha volta cuidam de mim. Se me acontece algo, eles estarão lá para me ajudar. No centro da cidade de Kampala, as pessoas discriminam-nos como pessoas transgénero nas ruas. Bofeteiam-nos ou dizem coisas como “não queremos pessoas como você no nosso país” ou “vamos matar-te”. Foi necessário construir uma forte relação com o meu bairro para sobreviver. Se alguém tem um problema, vou e ajudo. Às vezes ajudo a lavar os pratos aos vizinhos, ou ensino danças tradicionais aos seu filhos.

Não há leis para proteger as pessoas trans

No Uganda, há uma grande discriminação contra as pessoas LGBTI, mas a situação é ainda pior para as pessoas transgénero. Não temos leis que realmente nos protejam. Neste momento, tratamos de fazer alguma defesa legal para as pessoas transgénero. Parece que sensibilizamos a polícia a favor das pessoas trans; na nossa organização fizemos muito trabalho para os informar sobre questões transgénero. Desde então, a policía tem sido um apoio para as pessoas transgénero, especialmente nos últimos tempos. Pelo menos, já não fui novamente presa. Também nos estabelecimentos de saúde tratámos de criar consciência. Procuramos informar os trabalhadores de saúde sobre as necessidades das pessoas trans, para conseguir a medicação adequada, por exemplo. Agora eles tornaram-se um grande apoio. As coisas melhoram, espero que dentro de 20 anos as pessoas saibam acerca dos problemas dos trans, que tudo melhore. Faço um grande trabalho de defesa através do Facebook e a comunidade cresce. Recebo muitas perguntas e mensagens de apoio.

Creio em Deus, mas não vou à Igreja

Como os problemas de relação com a polícia e o sistema de saúde já melhoraram, agora queremos ir mais além. Procuramos sensibilizar os líderes religiosos. Nós já tentamos: convidámos os líderes religiosos para um diálogo, mas quando começámos falar, todos eles se retiraram.

Creio em Deus, sou uma católica practicante, mas pouco envolvida com a Igreja. A última vez que tentei entrar numa Igreja, os sacerdotes olhavam-me com nojo. Desde então, decidi não voltar outra vez à Igreja. Mas quando estou em casa, sempre rezo a Deus.